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Bailado Infantil

sábado, 2 de maio de 2009

A menina que queria engarrafar o tempo

Era uma vez uma menina chamada Inanna. Ela era muito sabida e só gostava de coisas boas - sorvete, jogar bola, brincar de boneca.
A vida de Inanna era mais deliciosa que bala de hortelã. Acordava todo dia com o sol, conversava com os passarinhos na janela, trocava de roupa e corria para brincar com suas fadas e bruxas dos livros. Quando chovia, era a deusa da vida - cantava e cantava - e as flores nasciam no jardim.
À tarde ia para a escola e lá encontrava seus amigos. E se transformava na estudante que queria crescer logo para fazer o que quisesse dessa vida - ser flor, médica, professora ou qualquer outra coisa. Quando a noite se aproximava, fechava os olhos e dormia com Pinóquio, Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho e em alguns dias com a Pequena Vendedora de Fósforos - todos moradores das histórias que seus pais contavam.
Um dia aconteceu uma coisa muito triste na vida dessa menina e lá naquela vida tão bonita começaram a aparecer dias muito iguais e sem alegria.
E Inanna decidiu que queria engarrafar o tempo.
Porque? Porque ela não conseguia aceitar que as coisas boas que aconteciam tinham que acabar assim, assim, sem mais nem menos. Achava que se engarrafasse partes da vida conseguiria manter para sempre, na estante, somente os momentos bons e não precisaria sentir saudades.
Um dia, quando estava no quarto, pensando nessas idéias de gente grande, apareceu, de dentro de um livro uma bruxa! Não era uma bruxa daquelas de mentirinha não! Era uma bruxa muito de verdade, dava até para pegar e apertar. A menina não teve tanta coragem assim, para ir apertando e tal. Mas só de olhar sabia que podia dar um apertão igualzinho aquele que a tia dava na bochecha dela. Mas sabia também que apertão era muito ruim, porque a gente não é de apertar como as frutas do mercado, pra ver se está boa. A gente é de olhar e de abraçar.
E bem devagarzinho, foi chegando perto da bruxa, que olhava desconfiada para aquele quarto cheio de coisas bonitas. De repente desapareceu e apareceu na frente da menina, que levou um susto!
Inanna perguntou: - Qual o seu nome?
- E a Bruxa respondeu: Isthar
- E isso lá é nome de Bruxa?
E a mulherzinha, muito brava, respondeu: - Você está vendo alguma vassoura?
-Não!
- E você já viu Bruxa sem vassoura?
A menina pensou, pensou e achou que aquela mulher tinha razão. Mas se não era Bruxa, o que era ? Como podia ser velhinha, curvada, ter verruga no nariz e não ser Bruxa? Mas ela não tinha vassoura e nem era tão baixinha assim, porque a Inanna tinha 8 nos e a mulher era até mais alta que ela!
A mulher voou sem vassoura e por onde passava uma fumacinha, igual a do gênio da lâmpada do Aladim, a seguia. Será que era uma gênia?
E Inanna ouviu uma história muito difícil de entender. A tal da Isthar era uma deusa, dessas das histórias bem antigas, e já existia muito antes de tudo existir. E dá para imaginar uma coisa dessas? Para não embaralhar a vida das pessoas, controlava todo o tempo do mundo, desde que tudo existe. O dia, a noite e quando estava com preguiça deixava o tempo passar bem devagarzinho e esperava todo mundo dormir para fazer o tempo passar bem rápido, compensando o chamado ‘tempo perdido’. Tinha poderes mágicos – dizia que conseguia controlar o tempo passado, ver o presente, mas nunca conseguia saber do futuro.
A menina, muito assustada, não conseguia entender direito o que significava aquilo tudo.
A deusa explicou: - Você me chamou, lembra? Falou que queria engarrafar o tempo e eu trouxe uma estante pequenininha que cabe dentro da sua bolsa e algumas garrafas mágicas. Quando você quiser engarrafar um momento da sua vida é só esperar ele acabar de acontecer, abrir a tampa da garrafa, esperar ele entrar. Então você fecha e põe na estante.
Mas existem algumas condições para que você possa fazer isso. Uma dessas garrafas não pode ser aberta.
A menina, assustada, perguntou: Mas vou saber qual delas não posso abrir?
E a deusa respondeu: - É fácil, uma delas é mais brilhante que as outras. Essa é a proibida. Mas todas as outras são suas. Depois que engarrafar seu momento feliz você nunca mais se lembrará dele. Mas poderá vê-lo na estante, encostar as mãos na garrafa, sentir aquela coisa boa no coração e, se quiser, poderá entrar na garrafa e viver tudo de novo. Mas quando sair de lá não se lembrará de nada.
A menina adorou aquela história toda. Garrafinhas mágicas...resolveriam todos os problemas de sua vida. Aceitou e agradeceu a Deusa Isthar.
Nos primeiros dias ficou com muito medo de usar aquelas garrafinhas. Mas um dia, após ter vivido um momento difícil, achou que era hora de testar aquela oferenda. Esperou uma noite inteira passar e outro dia chegar.
Quando o sol estava brilhando lá no alto do céu, tomou um sorvete e sentiu muita alegria. O dia estava quente e o vento soprava bem de levinho e aquilo era delicioso. Inanna não esperou – abriu a garrafa e um ventão soprou, soprou igual furacão e lá estava aquele momento, uma miniatura dentro da garrafa – a menina, o sol, o sorvete e até o vento levinho.
E assim, por muitos dias, colecionou seus momentos felizes dentro das garrafas - as histórias que o pai contava a noite, o passeio com os colegas, a nota boa da escola, a viagem até a casa da avó, o batom cor de rosa que ganhou da mãe, o bolo de aniversário e mais um montão de coisas.
Percebeu, intrigada, que as garrafas nunca acabavam.
Quando ficava chateada só precisava escolher um momento engarrafado, encostar a mão e como mágica aquela sensação boa chegava e ela pulava lá para dentro e ficava feliz.
Mas o tempo foi passando e a Inanna começou a cansar daquelas mesmas sensações e percebeu que vivia mais dentro das garrafas do que no mundo de verdade. E como não se lembrava de nada depois que saía de lá, a menina passou a sentir que dentro dela só sobrou um vazio muito grande. Sensações, sem lembranças. E lembrança faz uma falta...mesmo aquelas que trazem a saudade.
Todos os dias olhava a garrafa proibida, que brilhava e brilhava. Às vezes parecia que quanto mais engarrafava sua vida nas garrafinhas sem cor, maior era o brilho daquela garrafa que não podia abrir. Doía até os olhos de tanto que brilhava. A curiosidade foi crescendo, mas ela não ousava desafiar as ordens da deusa..
Certo dia percebeu que só se lembrava das coisas ruins, pois eram aquelas que não tinha engarrafado e sua vida estava mais chata ainda do que antes de conhecer a Isthar.
Começou a chorar baixinho e não sabia mais o que fazer quando resolveu quebrar todas as garrafas, menos aquela que brilhava, pois a bruxa, ou melhor, a deusa, ficaria muito brava! Tem pessoas que a gente não desobedece por nada desse mundo!
Foi uma barulheira danada! Crash, póft, póft, tum, tum, creck, criiiiim, póft!
Quando quebrou sua última sensação, começou aquele ventão dentro do quarto e a deusa Isthar reapareceu, após muitos anos.
E não ficou nem um pouquinho brava com aquela bagunça toda. Você acredita? Deu uma ordem e tudo foi para seu lugar. Até as garrafas foram consertadas! Mas estavam vazias de novo. E depois insistia em dizer que não era bruxa!
Talvez deuses também façam mágicas com seus super poderes.
E, com um olhar carinhoso, Isthar pegou aquela garrafa bonita e brilhante e deu para Inanna. A menina não entendeu nada. Porque agora tinha que abrir aquela garrafa?
A deusa disse: - Se você a abrir nunca mais poderá engarrafar seus momentos no tempo. Tem certeza de que quer saber o que está aí dentro?
E a menina, que estava arrependida de seu desejo de engarrafar seus momentos, resolveu abrir.
A deusa sorria enquanto observava os pensamentos passando correndo pela cabeça da menina. Até pensamento conseguia ler!
E de repente, Inanna fechou os olhos e com muita força abriu a garrafa. Ouviu uma explosão com cheiro de doce! Era o melhor momento de sua vida! A garrafa chamava-se presente. E esse momento e tantos outros presentes nunca mais foram engarrafados, porque Inanna descobriu algo muito valioso: - sensações não têm valor se não forem lembranças.


Fernanda Macahiba Julho de 2008

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