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Bailado Infantil

sábado, 16 de maio de 2009

Aprendendo com paixão

Escrito em português do Brasil.

BRAILLE
Flávio Couto e silva de Oliveira
Dedicado à memória do Professor Valter Alves, do Instituto São Rafael, Belo Horizonte M. G. - Brasil

O traçado da letra cursiva ia se esmaecendo a cada dia, enquanto os olhos apertados tentavam a todo custo distinguir o contraste da escrita no caderno. Óculos muito grossos, nariz colado ao livro e a voz abafada pela proximidade do papel era uma situação comum durante as leituras em voz alta. Sentar na primeira fileira e levantar do lugar a todo tempo para olhar de perto o texto da lousa era também parte da rotina na sala de aula, com a qual eu já me habituara. Um outro hábito que acabou se desenvolvendo, ora mais, ora menos incentivado pelos professores, foi o de sentar em dupla com um colega, para que ele ditasse a matéria ou prestasse algum auxílio extra. Isso era também muito bom, por permitir conversinhas corriqueiras, quase sempre interrompidas pelas admoestações dos mestres, que se impacientavam com o burburinho e com a ocasional falta de atenção dos alunos.
Durante o recreio, ia ficando mais e mais difícil participar das brincadeiras com bola, do futebol e de outros jogos. Ao mesmo tempo, era importante ir adquirindo o necessário fair play para conviver com as brincadeiras, apelidos e implicâncias dos colegas, algumas vezes inocentes, outras vezes temperada com a pseudo-crueldade das crianças e a dos adolescentes. Cegueta, caolho, quatro olhos eram os nomes mais comuns. Tapinhas na nuca, cutucões e dedos nas lentes dos óculos, todos sem autoria definida, eram práticas infringidas contra o meu sossego, mas com as quais eu já me habituara, ora levando na esportiva, ora partindo para a violência física. Nesse último caso, normalmente levava a pior, mas saía gratificado pelo meu sentido de justiça e pela sensação de não me ter deixado humilhar. As adversidades do cotidiano não me incomodavam tanto. Eu possuía uma auto estima equilibrada, reforçada pela educação que recebia de meus pais, que sempre me encorajaram a ser confiante e independente. Só vim a sentir pela primeira vez o gosto amargo do preconceito, quando soube que uma garota me recusara, explicitamente em razão de minha deficiência visual, que eu sabia estar se agravando. A dificuldade para ler agora era tremenda. Nem as grossas lentes me garantiam mais o tênue contorno das letras, que desapareceram quase por completo, dos livros, do caderno, da lousa. Havia, pois, chegado o momento que eu tanto quisera adiar, o de começar a aprender o Braille. Nesse caso, o preconceito era todinho meu. Julgava que o Braille fosse coisa de cego e que, portanto, definitivamente, não era para mim. Mas, no íntimo, sempre soube que, como portador de glaucoma congênito, mais cedo ou mais tarde eu perderia a minha preciosa visão, que mesmo não sendo lá essas coisas, continuava a ser, para mim, tão preciosa. Fonte de equilíbrio físico – e porque não dizer também mental – minha visão me permitia enxergar o azul do céu, o branco das nuvens, o contorno das árvores e das montanhas. Distinguia as cores e o formato dos objetos, mas nunca dispensava o tato, a audição e o olfato, para me auxiliar no reconhecimento de seus detalhes. Já com os meus quinze anos de idade, não mais saía às ruas desacompanhado, como antes. Assim, além do Braille, havia chegado a hora de aprender também locomoção e mobilidade, em miúdos, aprender a usar a temida bengala branca, símbolo máximo da cegueira, o qual eu não fazia nenhuma questão de ostentar, recusando-me terminantemente a freqüentar o instituto dos cegos .
Ocorre que, por essa ocasião, eu manifestara um grande interesse pela música. Como muitos adolescentes dotados de sensibilidade artística, queria de toda maneira aprender a tocar violão e a cantar, inspirado pelos ídolos da MPB e do rock and roll. Arranjaram-me então um professor, o melhor da cidade, que me ensinaria a dedilhar as cordas do instrumento e a criar acordes encantadores. Nos dias que antecederam o da minha primeira aula, mal consegui dormir, tamanha era a minha expectativa e entusiasmo. Na hora marcada, sentado na sala de visitas da casa do professor, juntamente com meu pai, aguardava ansioso pelo término da aula de outro aluno e de onde estávamos, ouviam-se nitidamente límpidos arpejos e solos de violões que tocavam em dueto, aumentando assim o meu entusiasmo. Quando os acordes cessaram, irromperam na sala um senhor e um jovem, ambos de violão em punho. Ao ser apresentado a mim, o jovem me disse que eu era um garoto de sorte, por ter, a essas alturas do ano, conseguido uma vaga para estudar com um dos melhores professores de violão do país, e que eu não perdesse essa magnífica oportunidade. Despedindo-se de todos, o jovem saiu, fechando a porta atrás de si. Um frio percorreu então a minha espinha, ao me dar conta de que meu professor, aquele considerado um dos melhores do país, era um senhor de uns sessenta e poucos anos, completamente cego! Na verdade, o primeiro cego de carne e osso que eu conhecera.
No primeiro dia, conversamos muito, sobre o violão, mas também sobre outros temas: a deficiência visual, como é viver sem enxergar, uma de minhas maiores angústias à época; trocamos impressões com a liberdade de quem compartilha a mesma experiência do não ver. Um, homem maduro, absolutamente realizado, tranqüilo com a vida e com a sua deficiência e a sua profissão; o outro, adolescente, ainda mal tateando os seus caminhos , cheio de expectativas para o futuro, de ansiedades, medos e inseguranças. Éramos, assim, o mestre e o aprendiz, ou por outra, um guru e seu novo discípulo. Pois bem, esse professor, a música, a minha vontade de aprender, meus pais que espertamente armaram toda aquela situação, acabaram sendo os grandes responsáveis pela minha iniciação no universo tiflológico e, especificamente, no das soluções educacionais direcionadas ao atendimento das necessidades de estudantes com deficiência visual.
Fazendo-se passar por desavisado, meu velho professor perguntou-me inicialmente se eu teria condições visuais de ler partituras escritas no sistema comum, em tinta. Depois, de ouvir a minha resposta um tanto desapontada, sorrindo, colocou em minhas mãos um livro muito grosso todo marcado com pequenos furinhos formando linhas em alto relevo e me disse que ali estavam todos os exercícios e as músicas que eu deveria estudar no primeiro semestre de aulas. Era a primeira vez na vida que eu manuseava um livro escrito em Braille, embora eu já conhecesse vagamente o sistema, de tanto ouvir falar nele, principalmente durante o último ano. Sabia que era um sistema de leitura e escrita para cegos, criado por um francês chamado Louis Braille, em 1825, e que a leitura era feita com a ponta dos dedos. Fora isso, eu não sabia mais nada. Então, habilmente, o professor incitou a minha curiosidade sobre o assunto, dizendo-me que quando Louis Braille criou o seu sistema, ele tinha exatamente a minha idade, quinze anos, e que todas as letras e todos os símbolos, incluindo os da matemática e os da música, eram formados da combinação de apenas seis pontos e que esses pontos permitiam sessenta e três diferentes combinações. Quis saber como a escrita era produzida e ele me mostrou uma prancheta de madeira onde se acoplava uma espécie de régua metálica, que abrigava as matrizes dos pontos , chamada reglete. Mostrou-me em seguida um pequeno instrumento pontiagudo parecido com um prego envolto em um suporte anatômico feito de madeira ou de plástico, chamado punção, que servia para furar o papel, o qual deveria ficar preso entre as duas partes da reglete. Explicou-me que o papel deveria ser um pouco mais grosso do que o comum (gramatura 40 kilos, por exemplo) para que o relevo do Braille não se apagasse facilmente. Depois mostrou-me uma máquina de escrever com apenas seis teclas, uma para cada ponto do Braille, e uma barra de espaço para separar palavras. Era a máquina Perkins de datilografia em Braille. Assim, sem perceber, eu estava tendo ali, com meu professor de violão, a minha primeira aula de Braille, contra a qual eu tanto resistira durante um ano. Perguntei a ele se os livros eram escritos com aquela máquina, se eles teriam de ser feitos um a um à mão. Ele riu e me contou que havia impressoras específicas capazes de produzir uma grande quantidade de material Braille em tempo reduzido. Eu, sério ouvia tudo atentamente. Continuando a conversa, o professor tomou um papel, colocou-o na reglete e escreveu meu nome; tirou o papel e me deu para que, com a ponta do indicador direito, eu sentisse pela primeira vez, o relevo do meu nome gravado em Braille. Confesso que nessa hora me bateu uma emoção diferente, ao sentir que aquela primeira palavra, de tão forte significado, estava me reabrindo as portas para o mundo da leitura, o qual eu já julgava perdido.
Percebendo meu interesse, o professor resolveu avançar mais e propôs que eu experimentasse escrever, inicialmente apenas furando todos os seis pontos de cada célula Braille da primeira linha da reglete. Explicou-me que cada uma das quatro linhas da reglete era composta de aproximadamente vinte e oito quadradinhos chamados células Braille e que cada uma dessas células abrigava os seis pontos, a partir da combinação dos quais, as letras eram formadas. Fez-me sentir com os dedos, cada uma das quatro linhas e me disse que a reglete se encaixaria na prancheta, em diferentes alturas. Desse modo, deslocando-a para baixo até o fim da prancheta, podia-se utilizar toda a superfície de uma folha do tipo ofício.
A minha primeira surpresa foi saber que eu deveria começar a furar os quadradinhos, da direita para a esquerda, contrariamente à escrita convencional, que se faz da esquerda para a direita. A razão era simples: como o Braille é uma escrita em alto relevo, ao furar o papel com a punção, imprime-se um ponto em alto relevo no verso do papel. Logo, a escrita Braille, quando produzida na reglete, obedece a uma lógica de espelho, isto é, invertida em relação ao modo de se ler. Assim, para ler o que foi escrito, o escrevente deve tirar a folha da reglete e virá-la do outro lado, para só então escorregar os dedos pelas linhas. Lembrou-me que a leitura se fazia normalmente, da esquerda para a direita. O professor gostava de dar explicações detalhadas. Então, começou a me falar sobre a ordem dos pontos, de um a seis. Na escrita, o ponto um seria, assim, o primeiro no alto da célula, à direita, depois dele, o ponto dois seria logo em baixo do ponto um e o ponto três seria bem abaixo do ponto dois. Completava-se assim a coluna da direita da célula. Nessa lógica, o ponto quatro era o primeiro do alto da coluna da esquerda, da mesma célula, e assim por diante até completar os seis pontos, isto é, o preenchimento de todo aquele quadradinho.
Ao premir os pontos no papel, segurando ainda desajeitadamente a punção e acompanhando a sua ponta com o indicador da mão esquerda, conforme o professor havia orientado, a fim de facilitar o direcionamento daquele interessante instrumento de escrita, completei o preenchimento de toda a primeira linha. Tirei o papel da reglete e então o virei para observar com a ponta dos dedos o resultado daquela experiência: uma carreira de quadradinhos impressos em alto relevo, os quais, ao meu tato, contrastavam magnificamente com a lisura e a maciez do papel.
- É isso - me disse o professor – Para os videntes, as letras se formam a partir de seu contraste em cores com o fundo onde estão impressas. Já para nós, o contraste se dá por meio de pontos palpáveis. O filósofo francês Denis Diderot, que viveu no século XVIII, foi o primeiro a refletir sobre a percepção dos cegos. Inclusive, sua obra A Carta Sobre Os Cegos para Uso dos que Vêem, um clássico da filosofia da época, foi o pontapé inicial para a criação de uma pedagogia voltada para as necessidades especiais das pessoas com deficiência visual. Ele foi quem deu a sustentação filosófica para Valentin Hauy, o primeiro a criar uma escola para cegos, e mais tarde para a própria invenção do maravilhoso sistema de Louis Braille.
Depois de me incentivar dizendo que eu levava jeito para aprender, levantou-se de um supetão, bateu uma estridente palma e num tom animado e resoluto disse que nós já estávamos falando demais e que era necessário um pouco de música. Apanhou o violão e começou a dedilhar a esmo. Eu, sem dizer nada, observava tudo extasiado. “Agora, meu filho, ouça isto” – disse-me ele num tom compenetrado. Pigarreou levemente e, por alguns segundos, fez-se naquela sala um silêncio sacral, o qual aos poucos começou a ser preenchido pela mais bela melodia que até então eu já ouvira. Durante pouco mais de dois minutos, aquele som angelical ocupou cada canto da sala, fazendo vibrar, através de meus tímpanos embevecidos, cada molécula de meu corpo. Ao acabar, disse ele após mais um átimo de silêncio:
- Isto é Villa-Lobos, meu filho, Villa-Lobos. Toquei para você a Mazurka Choro, que é o primeiro movimento da Suíte Popular Brasileira, composta entre 1908 e 1923. Sabe, Villa-Lobos foi um compositor genial. Sua obra para violão solo é, com toda certeza, a maior contribuição para o repertório desse instrumento no século XX. É verdade! Todos os grandes violonistas clássicos, tanto brasileiros como estrangeiros, no mundo inteiro, já se debruçaram sobre as obras desse mestre. Apesar de seu imenso talento para executar vários instrumentos, Villa-Lobos, como todo bom brasileiro, possuía um amor especial pelo violão. Um dia, se você quiser, meu filho, e se dedicar para isso, você também poderá tocar as suas obras. Para a nossa felicidade, a maior parte delas está disponível em Braille. Basta você querer. Assim, quanto mais cedo você aprender o Braille, mais progressos irá fazer com a música.
A essas alturas eu era puro entusiasmo. Já estava até mesmo sentindo uma espécie de orgulho de minha deficiência. Tinha esquecido por completo qualquer vestígio de temor ou preconceito contra o universo dos deficientes visuais. Tudo o que eu queria era aprender o Braille e o que mais fosse necessário para que eu pudesse ser igual àquele culto e talentoso professor. Na mesma semana, eu, que era resistente, já estava freqüentando o instituto dos cegos e descobrindo lá um mundo inteiramente novo, mas estranhamente familiar para mim. Passei então a dividir o meu tempo da seguinte forma: Na parte da manhã, continuava o meu curso na escola regular, onde cursava o primeiro ano do ensino médio, e à tarde ia para o instituto aprender o Braille, aprender a fazer contas com o soroban (uma espécie de ábaco muito utilizado pelos cegos), tomar aulas de locomoção e mobilidade, além de canto e violão, é claro. Lá, conheci muitos rapazes e moças de minha idade, com diferentes graus de perda visual, por meio dos quais acabei aprendendo muito sobre a vida cotidiana das pessoas sem visão. Ganhei novos amigos e aprendi muito também sobre as minhas próprias possibilidades. Sentia como se eu estivesse me reconciliando com uma parte de mim que havia ficado meio de lado no meu processo de amadurecimento.
Em menos de um ano já podia perceber os efeitos positivos que aqueles novos aprendizados começaram a fazer na minha vida em geral, e especialmente na minha vida escolar. A escola onde eu cursava o ensino médio era uma escola pública estadual que contava com uma sala de recursos, onde professores especializados auxiliavam os alunos deficientes visuais transcrevendo provas e exercícios para o Braille, gravando textos em fitas cassete e o que mais fosse necessário para que nós pudéssemos acompanhar normalmente os trabalhos escolares. Parecia incrível, mas além de mim, havia também mais outros cinco alunos deficientes visuais freqüentando a sala de recursos. Enfim, eu não estava sozinho e isso era extremamente reconfortante.
Avancei rápido nas lições de Braille. Minha professora era uma senhora cega muito paciente, mas também enérgica quando necessário. O primeiro exercício que ela me deu para fazer foi o de preencher uma folha inteira com os seis pontos das células Braille, tal qual meu professor de violão havia me ensinado em nosso primeiro encontro. Esse exercício servia para que eu automatizasse a posição de cada um dos seis pontos e ao mesmo tempo praticasse o gesto de furar o papel com a punção. Em seguida, passei ao aprendizado da chamada primeira linha do alfabeto Braille, isto é, as dez primeiras letras do alfabeto comum, que em Braille se escrevem utilizando apenas os pontos 1, 2, 4 e 5, deixando de fora os pontos 3 e 6. Desse modo, a letra A é formada apenas pelo ponto 1; a letra B, pelos pontos 1 e 2; o C, pelos pontos 1 e 4; o D, pelos pontos 1, 4 e 5; o E, pelos pontos 1 e 5; o F, 1, 2 e 4; o G, pelos pontos 1, 2, 4 e 5; o H, pelos 1, 2 e 5; o I, pelos pontos 2 e 4; e, finalmente o J, é formado pelos pontos 2, 4 e 5.
Aprendi que esses sinais também servem para representar os algarismos de 1 a 0, na mesma ordem do alfabeto, ou seja, com os sinais correspondentes às letras de A a J, bastando para isso colocar na frente um sinal indicador de algarismo, representado pelos pontos 3, 4, 5 e 6. Após dominar bem a escrita e a leitura dessa primeira linha, comecei o aprendizado da chamada segunda linha, para cuja formação das letras, basta acrescentar o ponto 3 em cada símbolo da primeira linha. Desse modo, representam-se as próximas dez letras do alfabeto, da letra K à letra T. O passo seguinte é aprender a terceira linha, em que a formação dos símbolos se dá acrescentando-se à primeira linha, o ponto 6, sem se utilizar o ponto 3. a partir daí, começamos a perceber que as letras acentuadas têm um símbolo próprio diferente do das letras acentuadas. Assim, o a (ponto 1) mais o ponto 6 forma um Â; o B (pontos 1 e 2) mais o ponto 6 vira Ê; o C (pontos 1 e 4) vira ì; o H (pontos 1, 2 e 5) vira ü; o I (pontos 2 e 4) vira õ); e o J (pontos 2, 4 e 5) vira W. Existem também os sinais da quarta linha, onde se acrescentam aos da primeira linha, os pontos 3 e 6: A (ponto 1) mais pontos 3 e 6, forma a letra U; o B (pontos 1 e 2) mais os pontos 3 e 6, é igual ao V; o C (pontos1 e 4) mais pontos 3 e 6) forma o X; o D (pontos 1, 4 e 5) mais 3 e 6, é igual ao Y; o E (pontos 2 e 4) mais 3 e 6, é igual ao Z; o F (pontos 1, 2 e 4) mais 3 e 6, é igual ao Ç; o G (pontos 1, 2, 4e 5), mais 3 e 6, forma o É. É interessante notar que essa letra se forma com o preenchimento de todos os seis pontos da célula. Continuando, a letra H (pontos 1, 2 e 5) mais os pontos 3 e 6, formam o Á; o I (pontos 2 e 4) mais os pontos 3 e 6, formam o è; por fim, o J (pontos 2, 4 e 5) mais os pontos 3 e 6, formam o Ú. Existem ainda os sinais da quinta linha, formados somente pela combinação dos pontos 2, 3, 5 e 6. Entretanto, essa quinta linha forma apenas sinais gráficos como ponto final, vírgula, ponto de interrogação etc.
Freqüentando o instituto dos cegos, aos poucos fui descobrindo que o Braille não se resumia ao alfabeto. Era muito mais complexo do que isso. As sessenta e três combinações possíveis entre seus seis pontos faziam que um mesmo sinal, uma mesma combinação de pontos, formasse símbolos diferentes, reconhecíveis conforme o contexto em que apareciam. Assim, os pontos 1 e 5 podiam significar, por exemplo, a letra E, ou o algarismo 5 ou uma nota ré em tempo de colcheia. Fui assim descobrindo a cada dia a riqueza desse maravilhoso sistema de leitura e escrita, que é o sistema Braille e fui também me apaixonando por ele, na medida em que tinha cada vez mais acesso a leituras diversas. Os progressos na escola aumentaram e o resultado disso tudo foi que, inspirado naquele meu professor de violão e também em outros, acabei tornando-me também, não um virtuose do violão, embora a música até hoje me acompanhe, mas um professor, dedicado a possibilitar que outros tantos alunos com deficiência visual possam ter acesso ao mundo da leitura e da informação, utilizando o Braille como uma das estratégias mais eficazes para se atingir esse fim.

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